Em meio á nossos estudos sobre a bruxaria, iremos estudar sobre uma religião neopagã relativamente nova: a Wicca. No post de hoje iremos conhecer a sua história e todo o processo de criação da religião que se propagou por todo o mundo.
O que é a Wicca
Quando falamos sobre o paganismo, houve um momento em que comentamos do neopaganismo, que seria um movimento que trás os preceitos pagãos e os adapta para os tempos atuais. Dentre esses movimentos, há uma religião muito conhecida: a Wicca.
Há dizeres de que todos os wiccanos são bruxos, mas nem todos os bruxos são wiccanos. Isso porque a bruxaria em si não é uma religião, é mais uma filosofia de vida. Diferente da Wicca que é uma religião, de fato.
Ela é considerada uma religião da Natureza, cujo intuito é a relação do ser humano com a natureza e animais. Os wiccanos levam muito á sério seus rituais, cujo momento é uma celebração das estações e as fases lunares. São nesses momentos que eles buscam se conectar com a natureza, a considerando deveras sagrada.
Para eles, as forças que podem ser encontradas na Natureza estão em constante contato conosco, para nos ensinar como curar a Terra que sofre com a poluição humana.
Ou seja, podemos notar qual é o enfoque da Wicca, não? Isso não os faz lembrar de algo?
A origem da religião Wicca
A Wicca tem raízes nas crenças do período neolítico e paleolítico. Estamos falando de mais ou menos 4.000 a.c (ou a.e.c, que seria antes da era comum), onde os povos primitivos viviam na base da pesca e da caça. Dizem os estudiosos que eles cultuavam a Deusa Mãe como a grande criadora, nutridora e sustentadora da vida.
Por conta da mulher poder gerar a vida, e não saberem o papel do homem na procriação, a figura feminina era vista como abençoada e mágica. Ou seja, o feminino era visto como sagrado.
Contudo, havia também uma figura masculina que tinha igual importância na criação da vida. Essa figura era conhecido como o Deus Cornífero, aquele que era cultuado para se ter uma caça farta e proteção.
Essa crença permaneceu desde esses tempos até o período em que o cristianismo surgiu. Com essa nova religião aparecendo de um lado para outro através dos séculos, chegamos ao período em que ocorreu a inquisição.
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Sabemos que a caça ás bruxas perdurou por séculos, e demorou para que as práticas pagãs voltassem a ser evidentes na sociedade. Ter a cultura pagã caçada pelos inquisidores, fez com que muito de suas características fossem se perdendo aos poucos.
Dizem que por conta disso, a bruxaria moderna teria sido influenciado pelas diferentes culturas europeias como a celta e a grega.
Gerald Gardner
De forma resumida, podemos entender que Gardner viajou para vários lugares que lhe permitiu estudar antigas religiões e culturas. A partir da sua curiosidade em conhecer o exótico, enquanto mudava-se para diferentes países por conta de trabalho, Gardner aproveitava para alimentar sua sede pelo conhecimento.
Pelo final dos ano 30, Gardner já teria retornado á Inglaterra após se aposentar e acidentalmente conhecera um coven. A Irmandade de Crotona tinha sido o coven descoberto, da qual Gardner conhecera a ” Old Dorothy”. Essa seria a possível líder de um coven secreto ligado á “Antiga Religião”, da qual o autor fora iniciado naquilo que era conhecido como Wicca.
Vale lembrar que, nessa época as leis britânicas ainda impediam as pessoas de praticarem bruxaria. Não teriam, obviamente, torturas, porém permaneciam as penalidade legais. Sendo assim, é bastante comum encontrar textos que falem de sociedades secretas quando é estudado sobre ocultismo.
Sendo assim, para Gardner falar sobre o que viu dentro daquele coven da qual foi iniciado, ele também precisou agir pela surdina para que a lei não se aplicasse. Foi aí que em 1949 foi lançado o livro “High Magic’s Aid”, que sob formato de um romance, o autor falava sobre rituais de iniciação e demais características da “Arte”.
No início da década de 50, as leis britânicas que proibiam a bruxaria foram revogadas por conta do movimento que ocorria na época. Sendo assim, não havia mais nada que segurasse Gardner de mostrar ao mundo sobre a bruxaria moderna.
E assim ocorrera.
Lançando a religião ao mundo
No ano de 1954 e 1959, Gardner lançou dois livros sem se esconder atrás de um pseudônimo e apresentou suas descobertas dos segredos da antiga religião pagã que havia sobrevivido todos esses séculos. Conta-se que esses textos de Gardner serviriam como uma validação ao que Murray havia dito sobre uma parte do paganismo ter sobrevivido como bruxaria.
“Infelizmente, a bruxaria que ele descrevia era tão diferente da versão por ela apresentada que dificilmente poderia ser o mesmo fenômeno – um fato que ela convenientemente omitiu em sua compassiva introdução ao livro de Gardner”.
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Gerald Gardner foi consistente em fazer a Arte ser notada pelo grande público. Fosse através de artigos semanais em jornais, ou até mesmo em entrevistas na rede televisiva. Sim, Gardner foi até uma emissora de televisão, e deu entrevista falando sobre a Wicca e desmentindo o senso comum acerca da bruxaria.
É claro que houve repercussão negativa, pessoas ligando a Wicca com os demônios e tudo mais. E isso gerou um certo assombro para quem já praticava a Arte, mas que se mantinham em anonimato, dividindo as opiniões entre serem discretos e continuarem com a propagação. Apesar disso, Gardner manteve-se consistente em usar da publicidade para espalhar a Wicca e trazer mais adeptos.
Uma Wicca controversa
Acontece que é de conhecimento geral que a Wicca Gardneriana pode reunir diferentes características de diferentes culturas e religiões antigas. Porém, o que acaba gerando discussões envolve a sua veracidade.
Há quem diga que nada do que Gardner disse ocorreu, que em 1939 não existia nenhum coven, e que tudo não passou de invenção. Outros partem em defesa do autor ao dizerem que existem muitos materiais para serem estudados, e que elas serviriam de respaldo ao discurso de Gardner.
Sendo verídico ou não, é fato de que a Wicca Gardneriana encantou muitas pessoas que ajudaram á espalhar a nova religião mundo á fora. Principalmente uma pessoa muito conhecida em nosso meio, Doreen Valiente.
A avó da bruxaria
Doreen Valiente teria se interessado pela Wicca através desse meio de publicação de Gardner. Após entrar em contato com ele, foi iniciada e se tornara suma sacerdotisa do coven a qual Gardner participava.
Ao que tudo indica, Valiente e Gardner teriam uma relação bem amigável, afinal de contas, os poemas dela foram adicionados aos ritos wiccanos, sendo considerado ritos tradicionais. Um deles pode ser encontrado em seu livro “A bruxaria hoje” de 1954, é o poema chamado “Queen of the moon, Queen of the stars“.
No entanto, Doreen pode ter duvidado um pouco as alegações que o Gardner fazia sobre a Wicca ser uma religião pagã sobrevivente, sendo que isso pode ser apenas rumores entre os autores. O fato é que ela não se sentia á vontade com os jornalistas e demais atenções em cima da religião.
E além disso, Valiente conhecia certos ensinamentos ocultistas bem o suficiente para encontrá-los no meio do material de Gardner. Ou seja, o que ele dizia ser material antigo e tradicional para entrar no livro das sombras, na verdade vinham de outras fontes que Doreen Valiente reconhecera.
Dentre essas diversas fontes, o que ela se deparou e causou grande preocupação, foram textos de Aleister Crowley. Como ele mesmo se titulava “a grande besta”, era possível que se as pessoas reconhecessem os textos de Crowley, poderiam fazer ligações com a Wicca que não condizia ao que, de fato, era proposto.
Com tal preocupação, Doreen fora conversar com Gardner, que por sua vez disse ter encontrado apenas alguns fragmentos,e por isso precisava preencher as lacunas. Além disso, incitou Doreen á fazer algo, caso tivesse uma ideia melhor.
O novo livro das sombras de Gardner
Obviamente Doreen Valiente aceitou o desafio e aproveitou que o livro das sombras ainda estava sendo escrito para retirar todos os textos de Aleister Crowley.
De forma poética, ela reescreveu os textos de forma eloquente, dando origem ao sistema de crenças e práticas seguidos até os tempos atuais.
E o mais interessante disso, foi a introdução da mitologia celta nesse sistema. Assim como Robert Gravey havia dito sobre tornar mito os ciclos da natureza, Doreen modelou a literatura de forma á se tornar linear com a cultura celta.
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Ou seja, Doreen Valiente modelou o livro das sombras de modo que tirasse qualquer semelhança com Crowley, e o ligou á uma possível (e imaginária) religião britânica.
Quando se estuda a Wicca, é nítido a presença dessa cultura celta, seja nos mitos ou na simbologia. De tal forma, desperta a sensação de que o paganismo, logo a bruxaria, tivessem suas origens celtas.
A cisão entre Doreen Valiente e Gerald Gardner
Os dois formaram uma ótima dupla para moldarem a Wicca, mas isso não significa que tenham mudado a opinião quanto á propagação da religião.
Gardner mantinha a opinião de que a publicidade na mídia era necessária, afinal estava gerando resultados. Novos adeptos surgiam, entravam em contato curiosos para saber mais. Por outro lado, Valiente e outros praticantes pensavam que a Wicca deveria ser discreta, optando por uma propagação através dos livros. Com a venda de livros, não iriam explodir e ganhar as grandes mídias, porém atrairia novos adeptos de forma mais segura e menos chamativa.
Em 1957 Doreen e outros membros redigiram um artigo chamado “13 regras propostas para a Arte”, da qual protegiam o sigilo que eles queriam com a religião, limitando Gardner em sua busca pelas grandes mídias publicitárias. Gardner até rebateu dizendo que tais propostas eram desnecessárias, já que existiam as “leis tradicionais da Arte”.
“Mas Valiente questionou o motivo pelo qual tais leis supostamente ‘tradicionais’ estavam sendo expostas agora pela primeira vez, também observando que as “Leis de Gardner” limitavam severamente seus poderes como suma sacerdotisa e, desse modo, rejeitou-as como uma invenção moderna”.
Com tamanhas diferenças sobre como a Wicca deveria aparecer para o publico, Doreen Valiente e outros companheiros saíram do coven de Gardner.
Sem ninguém para contestá-lo, Gardner deu sequência ao seu plano em utilizar a imprensa para propagar a Wicca.
A chegada de Alex Sanders
Fundador da tradição Alexandrina, com certeza é um nome que acarreta em discussões entre os wicannos.
Dizem que ele tentou ser iniciado em um coven gardneriano, sendo recusado. Entretanto, fora iniciado em outro coven por outra sacerdotisa, e que esse caminho o levou a ter em posse o livro das sombras de Gardner.
Alex Sanders costumava ter uma postura bem similar á de Gardner quanto a publicidade da Wicca. Ele falava muito bem com as pessoas, seguindo a mesma linha do fundador em ir para as grandes mídias.
Porém, em meio de suas palavras, Sanders afirmava vir de uma família tradicionalmente bruxa, e que havia sido iniciado por sua avó. Inclusive, depois de ter acesso ao livro das sombras de Gardner, ele reescreveu e alterou o livro como queria para dizer que aquele, sim, era o livro das sombras verdadeiro. E ainda mais, dissera que fora entregue por sua avó.
Claramente que isso fora desmentido depois, o que não gerou muita confiabilidade nele.
“Sanders logo se envolveu em uma guerra publicitária com os gardnerianos, os quais menosprezava como sendo seguidores de um culto moderno e inventado (em que pese o fato de ele ter tomado de empréstimo de Gardner boa parte de seu próprio material); também apresentou sua versão da bruxaria como artigo genuíno”
O ponto alto de sua publicidade, fora se autoproclamar como rei dos bruxos, e sua esposa como a rainha. No entanto, a partir dos anos 70 Sanders saiu da vista da mídia após se divorciar, focando mais na iniciação e treinamento dos novos adeptos.
Apesar de ter se envolvido em mentiras, a verdade é que a tradição Alexandrina cresceu, principalmente nos anos 70. E mais, a visão diferente que ele propunha conquistou os novatos, teve até gardnerianos se adaptando á tais premissas diferenciadas.
A prática religiosa atual
Depois de a Wicca ter se tornado pública por Gardner, o número de pessoas que simpatizaram com os conceitos wiccanos aumentou. Inclusive, por volta dos anos 80 houve um intenso movimento feminista que se interessou com os preceitos da Antiga Religião, por conta do imenso papel que a mulher tem.
Ter uma religião que tem como divindade primordial uma mulher, gerou um espaço para aquelas que queriam um espaço para serem ouvidas e respeitadas. O número de wicannos feministas aumentava na medida em que o movimento social ganhava espaço.
Contudo, não fora apenas as feministas que mostraram interesse na Wicca, mas também ocorreram de outros movimentos pagãos tornarem surgirem, algumas delas são: Druídismo, Kemetismo, Helenismo, Asatrú, etc. Só que dado um momento, começou-se a questionar da flexibilidade que a Wicca tinha, o que fazia as pessoas não acharem que a religião seria uma herdeira, de fato, da Antiga Religião.
Nos Estados Unidos foi criado um congresso que reunia várias pessoas para discutir a prática religiosa no país, sendo que fora aí que os 13 princípios das bruxaria fora criado.
Divindades da Wicca
Depois de Gardner ter lançado seu livro contando sobre a bruxaria moderna, houvera um crescente número de pessoas que estudaram e criaram a sua própria tradição. Alguns enaltecem a Deusa, deixando o Deus de lado, enquanto em outras ambos são adorados igualmente.
Já falando da prática, propriamente falando, a Deusa passou a ser cultuada pela Wicca, e até passou a ser chamada como “A Deusa dos dez mil nomes”. Ela é representada por suas três faces: donzela, mãe e anciã. A presença da Deusa surge também nos sabbaths, juntamente com o seu filho e consorte, o Deus Cornífero.
Além disso temos a roda do ano, que não somente é usado pela Wicca, como a bruxaria em geral. Nela há a comemoração das estações do ano, mudanças da fase da lua, mostrando o clico que a natureza passa.
Um dos aspectos principais da roda do ano envolve o ciclo de nascimento, crescimento, morte e renascimento. Dentro da Wicca, há uma forte reflexão sobre o pós vida no País de Verão, que seria um lugar para onde as almas se preparam para reencarnar na vida seguinte.
Esse ciclo é retirado da natureza também, nas plantas em especial. É algo repetitivo e sem fim.
Outro aspecto que é comentado sobre esse ciclo e a reencarnação, envolve o conhecimento adquirido em vida. O corpo físico é apenas uma concha vazia que vai se enchendo de intelecto. Quando este corpo morre, é libertado o espirito para o País de Verão onde ele irá rejuvenescer, refletir e então encarnar em outro corpo físico. E esse ciclo se repete até o momento em que o espírito alcance um desenvolvimento capaz de se fundir com a entidade equilibrado homem/mulher do criador/criadora.
Fontes
Wicca para todos – Claudiney Prieto
A história da bruxaria – Jeffrey B. Russel e Brooks Alexander