Dando continuidade aos resumos do livro “Grimório da Bruxa” do autor Ronald Hutton, hoje iremos ver como que antigas civilizações viam a magia. Isso mesmo, estaremos falando de magia em específico e não de bruxaria no contexto geral.
Como o artigo de hoje vai ser um pouco mais longo, se prepare para os seus estudos bruxescos, pegue aquele café ou chá e vamos começar!
Diferente da bruxaria que pode ser uma ideia implementada após o surgimento do cristianismo e da demonologia, colocando a bruxa como alguém do mal ligada ao diabo, a magia sempre esteve presente nas culturas, principalmente as mais antigas.
O poder mágico é algo que sempre serviu como justificativa para o homem explicar os fenômenos que ele não compreendia. É o que chamamos de pensamento mágico, sendo facilmente encontrado em antigas civilizações como as que veremos a seguir.
Egito unindo o humano ao divino
Uma coisa que todos sabem é que o povo egípcio sempre foi reconhecido como uma sociedade que era fortemente influenciada pela religião. Assim como vemos na Idade Média a premissa de que os reis eram escolhidos pelo deus cristão, no Egito os faraós também eram representações dos deuses.
Segundo Hutton, o conceito de divino girava em torno do heka, que seria uma espécie de força que concede a vida e controla o universo. Apesar de ser algo que o seres divinos detinham, alguns ensinavam o heka aos humanos, sendo que esses poderiam usá-la contra outros humanos e também, até mesmo, contra as próprias divindades. O heka poderia ser expresso através de palavras, sejam elas orais ou escritas, como também ritualizada a partir de rochas, incensos e plantas.
Apesar de parecer um tanto quanto estranho essa ideia de uma humano usar algo contra uma divindade, parece que nos tempos antigos isso era uma prática comum em outras religiões. No livro “Aradia: o evangelho das bruxas” Leland comenta que as bruxas italianas também faziam as suas ameaças à deusa Diana para terem os seus desejos concedidos.
Sendo assim, era comum as pessoas recorrerem ao uso do heka, já que ela era uma força neutra em sua moralidade, podendo ser usada contra inimigos desde que tal briga fosse considerada como justa. Para poder utilizar do heka, era necessário a ajuda de um sacerdote específico que chamavam de “leitor”.
O leitor era um sacerdote especializado no heka, conseguindo extrair o conhecimento do heka a partir de livros que estavam disponíveis na biblioteca dos templos. Eles protegiam contra os infortúnios ou ataques, e até mesmo podiam fazer a cura. Da mesma forma que sabem se proteger, o leitor também pode atacar, lançando maldições letais quando havia algum inimigo estrangeiro dentro do reino.
O que mais chama a atenção é o fato de que até mesmo os plebeus poderiam ter o conhecimento mágico. Basta nos lembrarmos de filmes e séries que abordam esse povoado onde tem a aparição de “encantador de escorpiões” e os “fabricantes de amuletos”. Certamente o fato de todo o povo ter acesso a esse conhecimento contribuiu para a sua fama nos territórios vizinhos e até mesmo ao longo da história.
Outra forma de unir o humano ao divino também se dá ao fato dos humanos egípcios poderem tornar uma divindade em seu servo, basta que soubesse o seu verdadeiro nome. Isso não implica que o homem esteja sendo arrogante em escravizar um ser divino, muito pelo contrário. Conhecer o nome de uma divindade é um sinal de que a pessoa se aprofundou em seus mistérios, conseguindo se conectar com o divino.
Seria quase como uma jornada do herói egípcio. Tornar-se digno de conhecer o verdadeiro eu de uma divindade, e com isso poder conectar ele para ter o que deseja. Segundo o autor, quem conseguisse tal conexão era visto com bons olhos dentro da sociedade, pois seria uma façanha um tanto quanto difícil de se obter.
Mesopotâmia como berço da cultura ocidental
Assim como os egípcios, a Mesopotâmia detinha templos em suas cidades que eram administrados por uma classe sacerdotal poderosa. No entanto, haviam diferenças entre a forma que esses dois territórios enxergavam a magia.
Como dito anteriormente, os egípcios não temiam os deuses, e até acreditavam que podiam ameaçá-los e formar algum contato quando o verdadeiro nome do deus fosse descoberto pela pessoa. No entanto, na Mesopotâmia havia um medo e respeito pelas divindades que impediam de preestabelecer essa relação. Ou seja, eles não teriam coragem de obrigar uma determinada divindade a fazer as suas vontades e muito menos de ameaçá-los. Até mesmo a crença sobre seres sobrenaturais menores precisaria da intervenção divina para proteger o homem, pois o mesmo não poderia fazê-lo por conta.
O segundo ponto que os difere dos egípcios é o interesse pelo cosmos, sendo um dos predecessores da astrologia. Esse povo acreditava que as estrelas e os planetas estavam relacionados às principais divindades, sendo eles quem determinavam o melhor momento para tomar uma ação em qual momento. A astrologia chegava a ser usada como uma forma oracular para prever o destino dos reis, e por isso relatórios eram regulares naquela época.
A terceira diferença era a crença em demônios. Os demônios seriam vistos como espíritos próprio do cosmo e que apresentavam hostilidade aos humanos, os ameaçando tão regularmente ao ponto de serem determinados como a essência do mau. Quem lidava com os demônios eram os sacerdotes chamados ashipu, que faziam rituais de encantamento para os seus clientes. Inclusive, os documentos desse povo que fala sobre a magia era justamente escrito por e para os ashipu.
Outra diferença entre os povos egípcios é a crença nas bruxas. Os povos da Suméria, Babilônia e Assíria realmente acreditavam que a bruxa era alguém que se escondia dentro da sociedade e fazia magia com a intenção de prejudicar outras pessoas. Sendo assim, para esses povos até que houve algum movimento contra as bruxas, apesar de não ser uma caçada generalizada. Pelo menos não há documentos que comprovem a existência de tais caçadas e julgamentos.
Isso pode se dar pela crença da contramagia. Esses povos estariam mais interessados em lançar um contra ataque ao suposto feitiço lançado, ao ponto de não ser necessário agir contra a própria bruxa que teria lançado o tal feitiço. E como esperado, a bruxa é mencionada na maior parte das vezes como uma figura feminina que tem um baixo status social.
Igualmente no Egito, os reis faziam uso da magia contra os seus inimigos, e fazer seu uso não seria considerado ruim desde que a causa fosse justa. Porém, os textos dos ashipu colocavam a bruxa como inimiga da sociedade que poderia fazer mal até mesmo para as divindades. Outra semelhança entre esses dois povos era a facilidade em serem influenciados pelo externo, podendo mesclar suas crenças de acordo com o que aprendia com outros povos. Por isso não é estranho ver que historicamente, assim como tantos outros povos, houve a migração na crença dos deuses pagãos para o deus cristão.
Os persas e os iranianos adotaram a religião Zoroastra que tem como base a divisão do cosmo em duas forças antagônicas, o bem essencial e o mal essencial. Figuras de divindades menores também existiam, porém ficavam à serviços desses dois maiores.
Os hebreus aplaudem os profetas milagrosos que servem Javé, mesmo que usem “poderes” para vinganças pessoais. Alguém lançar uma maldição em nome desse deus é horrível, mas se o fizer utilizando uma ferramenta dada por ele, então é aceitável. Havia a crença de que demônios, ou anjos caídos, iam até as mulheres para se ensinar a cura através de planta, e isso seria algo condenável. Mas um homem devidamente sacro, membro do sacerdócio, pode operar os milagres legítimos.
Grécia, o poder do divino na sociedade
Quando se trata da bruxaria moderna, a cultura dos gregos acaba sendo a porta de entrada para os estudos de muitos bruxos iniciantes. E não é para menos, já que a cultura foi mantida e repassada até as gerações atuais nos mostrando que eles criaram um sistema de crença que se diferencia de qualquer outro no Oriente Próximo.
Existem dois pontos que o autor mostra nesse capítulo: os gregos não tinham o conceito de bruxaria, e as mulheres nem sempre eram consideradas as culpas pelas magias ofensivas.
Na Grécia existiam dois conceitos de magia que eram diferentes: a magia onde um ser humano realiza um feitiço e a magia divina. A magia divina seria o conceito de magia que envolve os deuses gregos e os seus milagres. Se a magia vinha de uma figura divina, então os gregos não julgariam como maligno, mas se viesse diretamente de um humano com a intenção de prejudicar outro humano, a história já seria diferente.
Um ponto que sempre devemos nos lembrar é que a Grécia era rica em suas artes e elas representavam bem a cultura religiosa. Peças de teatros, textos filosóficos e até mesmo os artesanatos mostram representações dos mitos gregos que podem, ou não, servir de base para o estudo da visão desse povo em relação à magia. Sendo assim, é muito comum ver autores e filósofos expressando em seus textos a opinião à respeito da magia.
Dentro da cultura grega existiam diversos tipos de categorias mágicas, dentre eles temos:
- Agurtẽs – padres pedintes errantes;
- Goẽs – pessoas especializadas em lidar com espectros (tanto para exorcisar quanto para lançar para outras pessoas);
- Epoidos – conjurador de encantamento;
- Mantis – especializado em revelar o oculto, leitura de futuro não necessariamente oracular;
- Pharmakaeis/Pharmakides – especialistas em poções;
- Rhizotomoi – Cortador de raízes, provavelmente alguém que detém o conhecimento das ervas;
- Magos – que poderia ser a junção dos anteriores.
Os magos eram os que mais recebiam a hostilidade dos gregos, podendo ter a origem da palavra vindo dos sacerdócios persas oficiais que serviam à religião zoroastra. Porém, pode ser que essa hostilidade seja ainda mais antiga do que se imagina. A grande questão é que os gregos não viam com bons olhos aqueles que tentavam deter os poderes divinos para si mesmo, algo que provavelmente um mago poderia fazer.
Não há muitos registros de julgamentos para pessoas que usam a magia para o mal, no entanto alguns regiões tinham sim leis que proibiam o seu uso. Porém, a crença geral era de que um castigo apropriado seria dado pelos próprios deuses.
Outro ponto muito interessante dessa cultura é a pouca associação da figura feminina ao mal. Apesar de alguns mitos retratarem mulheres usando a magia destrutiva, o seu objetivo geralmente era para conquistar o amor de um homem ou então para castigá-lo pela sua infidelidade. Ou seja, essas representações não colocam a mulher como uma figura maligna, e até mesmo vindas de classes sociais baixas. Porém isso seria mais na história, já que a realidade dos gregos parecia ser o contrário.
Algumas fontes de estudos dessa cultura referem-se aos artificies da magia como homens. Nessa cultura, quem mais utilizava a magia, principalmente para atingir objetivos malignos eram os homens.
Ainda assim, é interessante perceber que nessa cultura tão antiga a caçada às bruxas era algo inexistente.
A magia do mundo romano: uma epidemia incompreendida
Já sabemos que os romanos mantiveram muitos traços culturais dos gregos, e isso é extremamente perceptível quando prestamos atenção nas religiões pagãs. Sendo assim, o mesmo medo que os gregos tinham dos magos é encontrado entre os romanos, apesar de haver alguns pontos diferentes.
O ponto mais forte desse capítulo é mostrar que os romanos abominavam aqueles que ousassem comandar divindades. Um ser divino ser mandado pelo homem parece ser algo digno de morte. O ser humano deter poderes que um ser divino detém é algo digno de morte, pois torna o ser humano fraco em uma forte ameaça à normativa. As tábulas das maldições que os gregos encontravam em tumbas, também eram encontradas pelos romanos, e gerava discussões sobre até que ponto o ser humano poderia emprestar os poderes sobrehumanos para fazer o mal.
Os romanos também associavam a magia com os estrangeiros, tornando-os uma ameaça. Devemos nos lembrar que o ser humano sempre irá temer e repudiar aquilo que desconhece e não consegue controlar. Uma pessoa que vem de fora com outra cultura torna-se um inimigo formidável.
Considerando que os romanos proibiam o uso da magia para fins egoístas, é claro que leis foram implementadas para controlar aqueles que ousassem se tornar um inimigo do povo. Roubar plantações, envenenar alguém, fazer poções com o intuito de seduzir e conquistar alguém, além de tantas outras práticas, foram consideradas proibidas perante a lei.
O que diferencia os romanos dos gregos foi que houve uma espécie de caça às bruxas, apesar desse termo ser meramente usado para entendermos quem estava sendo perseguido. A sua caça não chegou aos pés da famosa Inquisição, pois os registros são bagunçados graças a falta de interpretação de certas palavras. Veneficium é uma das palavras que podem deter diferentes significados, mas que aparecia nos registros das caças. Podendo significar envenenamento como também assassinato, torna difícil de entender se alguém for morto pelo homícidio comum ou por magia.
Sendo assim, muitas pessoas foram julgadas por causar o mal a outra pessoa, mas se foi através de magia ou não já é uma dúvida.
Isso leva a outro ponto importante dentro da história romana: usar o medo da magia para fins políticos. Estamos falando do tempo em que o império romano começou, e quando havia troca de imperadores, nota-se um aumento nas acusações do uso de magia. Senadores chegaram a tirar a própria vida quando foram acusados de realizar rituais para tirar a vida de familiares dos imperadores e imperatrizes.
Só que ao mesmo tempo havia o medo real de que entes queridos fossem alvos desses seres maléficos. Então nem sempre a acusação era por motivos políticos.
E o último ponto que vale a pena ressaltar desse capítulo é que os romanos já começavam a associar a figura feminina como aquela que usa da magia para conquistar algo. É uma visão um tanto quanto semelhante a dos gregos, sobre atrair homens e castigar os infiéis, mas os romanos parecem ter fortalecido essa visão em sua cultura.
Leia também:
- Raízes da bruxa: Vozes e manifestações universais;
- Estudos de uma bruxinha iniciante;
- O que devemos saber sobre o paganismo;
Conclusão
Sei que é muita informação para associar, mas em suma pudemos ver aqui que os povos antigos já tinham uma crença sobre a magia e temiam aqueles que usavam a magia para fins “malignos”. É muito interessante observar como que esses povos antigos lidavam com tais pessoas, desde esperando o castigo divino até uma caça indireta.
A questão é que independente da cultura, o que é temido mesmo são as intenções da pessoa e não o meio que ela utiliza para fazer o mal.