Estudar a bruxaria requer que olhemos as suas raízes. Para aprimorar os seus estudos bruxescos, iremos estudar a visão negativa que muitos povos detém sobre a bruxaria, compreendendo 5 características padrões nas caças às bruxas.
Quando algum leitor me pede ajuda para começar na bruxaria, sempre recomendo que ela comece estudando a própria história da bruxaria. Isso porque é importante saber as origens dessa prática e compreender como ela é vista no mundo. Essa parte pode ser um pouco assustadora para os leitores, mas é necessária para que compreenda o porquê de mais pessoas falarem sobre o que é a bruxaria natural moderna e qual o nosso propósito.
O post de hoje basicamente será uma continuidade do outro artigo que fiz aqui no blog sobre a caça às bruxas. Porém utilizando outro referencial teórico que fala de um ponto de vista mais generalizado e não focando apenas na Europa.
Ronald Hutton trás em seu livro “Grimório das bruxas”, da editora darkside, estudos acadêmicos sobre a cultura da bruxaria em diversas partes do mundo, em especial tribos e clãs que mesmo nos tempos modernos acreditam em bruxaria. No entanto, a maior marca da história da bruxaria se dá graças ao período de inquisição, momento esse em que pagãos eram considerados hereges e levados à tribunais civis para serem julgados e condenados.
Já se sabe que o período de caça às bruxas não tem uma data que estabelece o seu início e muito menos o final, apesar de ser conhecido o seu apogeu por volta do século XV ao XVIII. No entanto, mesmo na década de 80 e 90 existiam tribos que ainda condenavam as pessoas pelo crime de cometer bruxaria, o que fortalece a visão negativa da prática.
Então antes de iniciar os estudos sobre a bruxaria, é interessante entender esse senso comum que se espalhou pelo mundo de que a bruxaria é algo ruim.
Para isso, o autor estabeleceu 5 critérios que são padrões de crenças que se repetem nessas culturas ao longo da história.
A bruxa causa danos por meios estranhos
Se alguém aparece na televisão confirmando ter poderes sobrenaturais haverão aqueles que demonstrarão curiosidade, ceticismo e aqueles que criticarão por conta do medo. Apesar de haverem muitas histórias que apresentam um mundo onde o ser humano é capaz de usar um grande poder, quando isso é levado para a realidade a maioria das pessoas demonstram relutância e certo medo.
Na nossa realidade basta falar sobre o famoso “mau-olhado” e você poderá ter uma gama de reações que demonstram essa relutância. Isso porque, segundo o autor, o homem não sabe lidar com o acaso.
Quando vivenciamos várias situações complicadas podemos até dizer que estamos numa maré de azar, mas quando isso acontece em culturas onde o pensamento mágico é presente, as pessoas já se aterrorizam imaginando ser um trabalho de uma bruxa.
Isso mesmo, a primeira característica que Ronald Hutton viu se repetir em diversos estudos antropológicos foi essa questão de que uma bruxa sempre causará infortúnios e danos às outras pessoas através de métodos estranhos e não convencionais. Esses métodos variam desde a invocação de espíritos ancestrais, até almas perambulando para escolher uma vítima e matá-la para comer de sua carne.
Se você já ouviu falar sobre o livro “o martelo das bruxas” provavelmente se lembrará de que nele contém vários exemplos de crenças sobre esses meios estranhos das quais as bruxas faziam mau. Por exemplo, invocar a chuva de granizo para destruir as plantações, sacrificar bebês inocentes e se alimentar do seu sangue, aparecer em sonhos para seduzir outras pessoas, etc.
Basicamente é a crença que envolve o sobrenatural, o poder que a bruxa tem ou adquire com o fim de prejudicar outras pessoas.
A bruxa é uma ameaça interna a uma comunidade
A segunda característica que Hutton encontrou nos estudos antropológicos foi a de que a bruxa nunca lançaria feitiços de infortúnios a alguém desconhecido. Em algumas tribos africanas havia a crença de que a eficácia da bruxaria lançada depende do nível de intimidade que a bruxa tem com a sua vítima.
As pessoas eram incriminadas de bruxaria por atacarem parentes e conhecidos, sejam por motivos de inveja, ciúmes ou qualquer outro motivo que poderia gerar inimizades. Em algumas culturas, a bruxa (muitas vezes sendo uma mulher) não conseguia lançar feitiços contra aqueles que tem o seu sangue, e por isso o infortúnio seria dado para os parentes de seus companheiros ou cunhados. Mas não se espante demais, pois há culturas que acreditam que a bruxa lança os seus feitiços para a família materna exclusivamente.
Só que nem tudo gira em torno dos sentimentos ruins como a inveja e o ciúme. Em algumas pesquisas foram apontadas que o excesso de amor e afinidade também poderia ser motivos para alguém matar a pessoa amada através de “feitiços traiçoeiros”.
Outro ponto que faziam uma comunidade inteira suspeitar de alguém estar cometendo o ato de bruxaria seria a sua marginalização. Quando falo de marginalização entendam que me refiro a alguém que ficou à margem da sociedade, aqueles que não se encaixam nos padrões culturais estabelecidos como corretos dentro de uma comunidade.
Nesse caso são pessoas que sempre andam sozinhas, consideradas esquisitas, mau humoradas, que tem algum aspecto físico diferente, até mesmo os preguiçosos e os antissociais eram suspeitos de bruxaria nessas comunidades. Forasteiros que entravam na comunidade também poderia se tornar um suspeito em potencial, o que parece bastante digno de um roteiro hollywoodiano.
Ou seja, pessoas que não contribuíssem com a comunidade poderia se tornar suspeito de bruxaria.
A bruxa trabalha sob uma tradição
De onde vem esse poder da bruxa? Nessa característica é discutida justamente a origem dos poderes das bruxas em causar o mau a alguém. Algumas culturas acreditam na hereditariedade, onde uma pessoa passa o seu poder para a outra, enquanto outros acreditam que isso pode surgir desde o nascimento, e também aqueles que acreditam que advém de instrumentos mágicos.
Algumas culturas acreditavam na ideia da “sementinha do mal”, onde a bruxa teria algo dentro do seu corpo a fazendo ser malévola. Tal sementinha poderia ser um feto que tem uma imensa sede de carne humana, ou então seria uma substância que cresce dentro do coração da pessoa lhe conferindo poderes mágicos. Tem até mesmo aqueles que acreditam que o poder mágico é como um vírus que mães transmitem aos filhos ou que podem ser adquiridos por uma infecção.
Ou seja, é a crença de que algo físico dentro do corpo da pessoa que a induz até a bruxaria. Como algo que originalmente não faz parte de sua biologia e pode ter, até mesmo, consciência própria.
Claro que também não poderia faltar a ideia de pessoas sendo afligidas por espíritos malignos a cometerem atrocidades. Mesmo assim não pensam que eles colocam a pessoa em si como uma vítima de algo que a fez ser má e uma bruxa, muito pelo contrário! Há crenças de que a pessoa teria uma pré disposição para tal maldade, e que isso foi despertado e agravado por esse meio externo.
Já outro ponto apresentado nas pesquisas seria de que apesar das más intenções da pessoa, a origem da magia advém de instrumentos e ingredientes. Basta você imaginar aqueles filmes antigos onde a bruxa cria uma poção mágica com asas de morcegos e fios de cabelo de sua vítima. Ou seja, reúne as propriedades energéticas dos ingredientes para lançar um feitiço ou criar uma poção que fará mau a alguém.
A bruxa é maligna
Deu pra perceber essa característica nos tópicos anteriores, não? Pois bem, a figura da bruxa foi sempre associada a coisas ruins e por isso ela é tão temida em tantas comunidades e crenças até os dias de hoje. Chega a ser considerada como todo o mal que o ser humano tem dentro de si, só que em grandes níveis.
“A bruxa incorpora aqueles apetites e paixões em todo homem que, desgovernado, destruiria qualquer lei moral”
Como se fosse a encarnação da maldade, as bruxas seriam aqueles que detém um grande rancor da própria sociedade humana e por isso deseja acabar com ela. Para isso precisaria acontecer o seu despertar, que seria um processo iniciático onde a pessoa passaria por uma provação. Tais provações envolveriam o assassinato de familiares ou de qualquer outra vítima.
No entanto, a questão do maligno não era atribuído apenas a atos de atrocidades dignos de um crime hediondo, como também comportamentos que são considerado imorais dentro das comunidades. Durante a inquisição também era espalhado a imagem de um grupo de mulheres se encontrando à noite, dançando nuas em volta de uma fogueira ou indo à cemitérios para desenterrar os mortos.
O ato de se despir se remeteria à vulnerabilidade da pessoa, ou seja, ela baixa a sua guarda para ser possuída por um espírito maligno que lhe dará poderes.
Sendo assim, a bruxa se torna uma ideia necessária para ser odiada dentro dessas comunidades, se tornando a representação da maldade inata do próprio homem e da sua imoralidade.
A bruxa pode ser combatida
Se há um mal dentro de uma comunidade, então o homem encontrará um meio de combatê-la. Assim como os manuais que se espalharam pela caça às bruxas na Europa que ensinavam as pessoas como reconhecer e como denunciá-las, há também formas de combater a bruxaria.
Proteger a si mesmo e as pessoas queridas usando a dita “magia benevolente”, que seria a magia capaz de repelir os feitiços e maldições e até mesmo fazer a bruxa sofrer. Observando por esse ponto, não seria estranho encontrar dentro de tais comunidades uma pessoa que é capaz de fazer uso da magia benevolente.
Seria o famoso “curandeiro”, um médico que se especializa em curar os danos causados pelas bruxas. Essas figuras acaba prestando até mesmo um apoio psicológico para a sociedade.
Outro meio de combater a bruxaria seria harmonizando as relações. Se partir do principio de que as bruxas lançam suas maldições por causa de ciúmes e inveja, assim como outras emoções consideradas negativas, então isso poderia ser resolvido com a resolução dessa inimizade. E então pedir para que a bruxa retire tal feitiço e maldição da pessoa. Nesse cenário, a bruxa poderia passar por um processo de reabilitação, onde ela pode voltar a participar ativamente da sociedade assim que o problema for resolvido.
Chega a parecer um tanto quanto utópico esse cenário, onde tudo é resolvido razoavelmente. Porém a crença por trás disso é que matar uma bruxa poderia fazer com que a sua maldade seja contagiosa, e aquele que a matou se tornaria um bruxo por consequência.
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O julgamento das bruxas
No entanto o que acaba se destacando seria o terceiro meio que envolve justamente a violência contra a pessoa suspeita de bruxaria. Considerado um contra-ataque direto, não se utiliza artefatos mágicos, mas sim físicos que ferem a pessoa.
Aqui basta, novamente, nos lembrar do período da inquisição onde os suspeitos eram levados aos tribunais para serem julgados, a tortura física e psicológica utilizada como ferramenta para arrancar uma confissão e assim vir o veredito que também tirava a vida da pessoa.
“A severidade da pena imposta aos condenados por bruxaria dependia tanto das crenças locais quanto da extensão do dano causado pela dita bruxa”
Para evitar que os seus espíritos assombrassem a comunidade, muitas pessoas eram condenadas à morte tendo seus corpos completamente destroçados. A famosa queima da bruxa também se tornou um viés utilizado para que nenhum rastro da bruxa restasse no mundo.
A parte mais chocante desses estudos chega na parte em que algumas culturas consideravam crianças como principais suspeitas de bruxaria. Bem, o resto você pode imaginar o que acontece. Se não há um meio mágico de combater a própria magia, a violência era o único meio que o homem consegue encontrar para “se proteger”.
Como dito anteriormente, a bruxaria era associada à atos malignos advindos de emoções negativas. Sendo assim, não é estranho imaginar que se a comunidade passasse por um momento de pressão muito grande na sua economia e política, a caça às bruxas poderia se tornar mais recorrente. Há também o contraponto, onde partidos políticos desestimulavam a caça como uma forma de demonstrar a sua autoridade.
Isso é um ponto importante a ser mostrado, pois a caça às bruxas não foi apenas uma histeria generalizada onde o ser humano teme o acaso. Mas também há um lado racional, utilizando desse medo para impedir que os seus rivais e ou até mesmo ideias progressistas avançassem. Ou seja, utilizar a bruxaria como uma desculpa para se livrar das pedras que se encontram em seus caminhos.
Lembramos disso com o caso dos famosos cavaleiros templários, que foram mortos à mando do próprio papa e do rei da França que temiam o poder que eles detinham sobre o papado justo na época da inquisição. A execução fora realizada justamente numa sexta-feira 13, dando início à crença de que esse dia é azarado. O motivo que o papado declarou para tal ocorrido seria de que os cavaleiros seriam hereges.
Conclusão
Para a surpresa dos leitores que vão ler esse primeiro capítulo do livro de Ronald Hutton, percebemos que até os dias de hoje há caça às bruxas. Em diversas partes do mundo ainda existem leis que colocam a figura da bruxa como alguém que trás risco à sociedade e que por isso deve ser combatida. Pessoas continuam morrendo sendo acusadas por bruxaria. Mesmo que alguns territórios tenham sancionados leis que não permitem a violência, há pessoas que fazem a justiça com as próprias mãos.
Chega a ser assustador saber o modo como as pessoas estão sendo mortas ao se tornarem suspeitas de serem bruxas e causar algum mal. Há ainda muita gente bancando o caçador e utilizando a fé cristã como justificativa para erradicar o mal e assim ferir pessoas inocentes.
Infelizmente achamos que a caça às bruxas seria algo que ficou no passado e que hoje em dia já não existiria mais. No entanto, Ronald Hutton nos mostra que não é bem assim. A caça às bruxas ainda acontece e com muita brutalidade.
Para aprimorar os seus estudos bruxescos
O Grimório da Bruxa – Ronald Hutton
Nossa que texto esclarecedor, nunca li algo com tanta riqueza de detalhes. Parabéns pelo texto obrigada por compartilhar.